Lembro que, quando comecei a me interessar por games, com meu pai jogando Bomberman e Super Mario Bros. num Famiclone da CCE, a única coisa que conseguia compreender era o que se passava na tela. Naquela época não sabia ler
Cowabunga é Cowabunga ué, quem não sabe o que isso significa?! |
Lá nas décadas de 70, 80, bem no começo dos games enquanto entretenimento, os jogos mal possuíam diálogos, até por limitações técnicas que os impediam de gastar a pouca memória disponível, sempre imaginei o que o Pacman diria ao final de cada fase.
Mas isso começou a mudar já na era 8-bit, com os games se tornando cada vez maiores e melhor elaborados, onde as histórias precisavam se sustentar com um pouco mais de profundidade. Ainda que diferente dos dias de hoje, onde temos o luxo a opção de escolher diversas línguas, naquela época a situação era um pouco mais marxista: ou era em japonês, ou era em inglês. Então não tinha meio termo, era um ou outro.
E quem não entendia nada, se virava como podia: revistas nacionais, dicionários, pai, mãe, tio, e quem mais pudesse ajudar.
"Comecei jogando pokemon Red no Gameboy Color quando tinha uns 7 anos - quase em paralelo com meu aprendizado do próprio português. Boa parte do aprendizado foi completamente sozinho, forçando a decifrar o que estava escrito - e em casos mais difíceis perguntava para algum adulto.
Até os 10 anos isso me ajudou bastante a entender frases escritas e decifrar palavras desconhecidas usando o contexto, mas ainda pronunciava tudo errado, usando fonemas do português.
Pokémon é um dos RPGs que mais ajudaram a criança a entenderem outras línguas |
Mais alguns anos depois, aos 26, tirei 8,5/9 no IELTS (Pessoas com inglês nativo tiram entre 7,5 e 8) sem nunca ter pisado numa escola de inglês.
Na real, um dos maiores orgulhos de realização pessoal da minha vida. E o maior exemplo que posso dar pros outros do poder de engajamento dos games e como isso pode ser direcionado ao aprendizado." - Marcel Carlos dos Santos; Engenheiro
É claro que os RPGs dessa época tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da molecada em ir atrás e querer saber mais sobre uma língua diferente a qual estavam habituadas, justamente pelo volume de diálogos existentes neles e a necessidade de compreendê-los para dar continuidade á aventura.
Em Chrono Trigger, uma resposta mudava todo o rumo do jogo |
"Na época do ensino médio (técnico, 14 anos atrás) meu inglês ainda era fraco e eu via muitos casos de colegas que me diziam ter aprendido inglês por conta de jogos. Com isso eu coloquei como meta pra mim mesmo jogar os Final Fantasy e ir traduzindo com o dicionário do lado. Fiz isso com Chrono Trigger também. Essa foi a época que meu inglês mais evoluiu e hoje, sem nunca ter feito um estudo formal, consigo tranquilamente, ler, escrever e ter conversações em inglês." - Luiz Guilherme P. Lauck; Programador
Atualmente, a maioria - se não todos - os jogos são multi línguas. Então você tem lá a opção de colocar seu jogo favorito no idioma que melhor se encaixa no seu nível de compreendimento e dá início na aventura. E é claro, o contraponto existe, e é necessário. Nem todos usam os games como forma de aprendizado linguístico, como é o caso do jogador Ruan Novaes. Para Ruan, a mecânica de aprendizagem convergiu para um outro lado:
"Eu não sei como uma pessoa consegue aprender com jogos, ainda mais jogos antigos que eram a maioria só texto. Aprendi com séries e filmes, fazendo associação, e os jogos eu jogava em espanhol sempre que possível." - Ruan Novaes; Gamer
Essa série é demais...e ensina muito mais do que uma língua nova: ensina a utilizar uma espada |
Seja com jogos, seja com séries, a importância do aprendizado está primordialmente no auto didatismo. A velha história do: quem quer conhecimento vai atrás. Então, essa galera das antigas, acostumada a receber informação apenas através de veículos impressos (que muitas vezes abusavam dos termos em inglês), numa época em que a internet era para poucos, se viu num desafio a ser superado. Coisa que hoje em dia, é quase que inconcebível, pois temos ferramentas online que nos auxiliam no entendimento.
Google tradutor: salvando a pátria dos linguisticamente desamparados |
A importância dos games no desenvolvimento pessoal (principalmente a dessa turma dos anos 90) vai muito até mesmo além dos games. O professor Leon Cleveland, diz que usa os games para o aprendizado. E ele completa:
"Aprendi inglês em curso, mas, eu digo que 75% do meu inglês veio de videogame. Jogos como Final Fantasy, Brave Fencer Musashi, Parasite Eve, Suikoden II e Armored Core me ajudaram, e muito, com gírias e vocabulário mais abrangente, diferente daquele velho 'vocabulário de cursinho." - Leon Cleveland; Professor de Inglês
Entendi tudinho ó |
O também letrado, Júlio Oliveira, não só complementa o que o professor Leon diz, como também ressalta outra grande importância, que faz a diferença para aqueles que estão interessados em saberem o contexto daquilo que consomem:
"Apesar de ter feito curso de inglês e a faculdade de letras, muito do impulso inicial vieram das letras de Rock que eu traduzia sozinho e, principalmente, de jogos como Phantasy Star (joguei antes da Tec Toy traduzir), Zillion, Danan, Alex Kidd in Miracle World e Alex Kidd in High Tech World no Master System." - Júlio Oliveira; Professor
Slayer não esteve em rock'n roll racing, mas também ensina |
Agradecemos á todos os que se manifestaram em participar deste artigo, e incentivamos a essa nova geração de jogadores, que não percam seus hábitos, mas sim, que continuem jogando e buscando conhecimento. Afinal, a sabedoria é a melhor arma que podemos usar contra a ignorância. E vocês, ilustres leitores? Quais as suas experiências com os games, a música, o cinema, e o aprendizado de outras línguas? Estamos curiosos para sabermos. Contem-nos em nossa página no Facebook.
Arte: Felipe Cereda